São Thomé das Letras

Não sei dizer quantas vezes já fui a São Thomé. Não por causa de nenhum misticismo, muito menos por ser bicho grilo ou qualquer outra coisa. Mas sim pelo fato de ter nascido a pouco menos de quarenta quilômetros de lá. Lá tenho alguns primos, e só isso já me garantiu algumas visitas ao lugar. E quando meu pai começou a dar aula em São Thomé, a cidade virou destino frequente.

Sempre gostei de lá. A pequena cidade que não deve ter mais que trinta ruas sempre me pareceu acolhedora. E mesmo não sendo adepto de nenhum tipo de crença sobrenatural, sempre gostei do clima da cidade. Das ruas apertadas calçadas com pedra, do cheiro de incenso, dos artesanatos, dos mirantes.

A esposa, que também gosta do clima que envolve tudo isso, mesmo sendo tão descrente quanto eu, ansiava por conhecer o lugar. Nós já tínhamos ido à minha cidade outras vezes, mas sem carro, e acabou não dando pra ir até a cidade vizinha. Ficou pro Fusca, nosso verdinho, a missão de nos levar até São Thomé, na mesma viagem do último relato.

Saímos cedo, rumo a aquela estrada de chão que já tinha cruzado tantas vezes, andando nos outros fuscas que já contei aqui, ou a bordo de caminhões, seja na boleia ou na carroceria. Viajar na carroceria era sempre uma aventura à parte, e ainda contarei mais sobre isso aqui.

Nessa vez fomos eu, a esposa, e minha irmã caçula, que mora em Cruzília.

IMG_7212

Passou rápido cada quilômetro do caminho, do qual conhecia cada palmo. Fiquei procurando na beira da estrada o acesso para a casa na roça onde moramos, na época em que meu pai fazia tijolos durante o dia e ia de bicicleta pra cidade dar aula de noite.

Passou a divisa entre Cruzília e São Thomé, onde outra estrada de terra vai para Carrancas, e onde desde os tempos antigos funciona uma venda. E seguimos rumo à São Thomé

IMG_7215

Pra quem nunca foi à São Thomé, explico rapidamente a geografia: a cidade fica no topo de uma serra, a exatos 1.440 metros de altitude. Da estrada no pé dessa serra até a cidade, sobe-se verticalmente quase 400 metros, em menos de uma légua de distância.

Ah, e é principalmente de lá que vem as pedras São Thomé, que já rodaram o mundo e estão no entorno de 95,33% das piscinas do Brasil. Devido às pedreiras, vista de cima, São Thomé é só um pontinho branco no mapa. Já viu pedra São Thomé raiada? Não né? Nem no Google vai achar. Mas a memória não me falha, e pode ver aqui, em uma casa cruziliense. Esses desenhos são naturais, feitos pela infiltração na pedra.

Bem, voltando ao nosso passeio: já quase chegando a São Thomé, antes de subir a serra, paramos na cachoeira do Flávio. A água fria que vem da montanha ainda não tinha acordado, e não nos animava a entrar. Engraçado foi o “estacionamento” da cachoeira, de piso acidentado o suficiente pra deixar o fusca sobre três rodas algumas vezes.

IMG_7221

Seguimos caminho, era hora de subir a serra. A estrada de chão que sobe ziguezagueando entre enormes árvores dá a impressão de estarmos em mata fechada. O freio dos caminhões que vinham descendo a serra rangiam de se ouvir a quilômetros, enquanto a carroceria não articulada torcia para fazer as curvas apertadas e íngremes. Arbustos na beira da estrada eram da mesma cor da poeira que cobria o chão. E carros de turistas desacostumados com a condução na terra subiam lerdos, fazendo fila.

O Fusca não, subia a todo vapor. Provavelmente era a primeira vez dele ali, mas não a minha. A cada espaço que tínhamos, ultrapassávamos um novo carro, deixando uma nuvem de poeira atrás de nós. Mais algumas curvas e chegávamos ao topo, vendo a entrada daquela cidade de pedra, e lá no fundo o horizonte a perder de vista, para onde dava o outro lado da serra.

De carro é ruim de andar na cidade, as ruas são apertadas e estão sempre cheias. O calçamento de pedra piora tudo, até mesmo pro Fusca. E além do mais, não tem necessidade nenhuma de andar de carro em uma cidade que se atravessa a pé em quinze ou vinte minutos. Estacionei na rua do lado da casa de um primo da minha mãe, que a tempos não via. Lá tomamos café, proseamos e fomos agraciados com um almoço maravilhoso. E nem avisamos antes que iríamos. Agradecido o almoço, fomos passear na cidade. Deu tempo de ir nas lojas de artesanatos, comprar casinhas de pedra e outras bugigangas. E um adesivo, com a bandeira de Minas, que desde então habita uma das janelas do Fusca. Não haveria oportunidade melhor para comprar esse adesivo.

IMG_7235

Depois fomos nos mirantes: na gruta logo ao lado da igreja central, e depois na pirâmide, onde sempre tem dezenas de bichos-grilo, fomos na pedra da bruxa, e no mirante do cruzeiro.

IMG_7297

Descemos de novo e chegamos no carro, pegando o rumo de casa. Já estava quase na hora do sol se por, era hora de ir. Descemos a serra, e num local bonito paramos para tirar umas fotos na estrada. Pouco tempo depois era noite e estávamos chegando em Cruzília.

 

*Ah, o Fusca andando na terra fica lá pela metade do vídeo. Os outros momentos são de outras partes da viagem.